Como ‘hackear’ o mundo com suas individualidades

  • imagemErick GiorgioErick Giorgio
  • 02 Oct 2023
Image Como ‘hackear’ o mundo com suas individualidades


Recentemente assisti um anime ou como diria minha mãe: “desenho do olho grande”, chamado My Hero Academia. O anime conta a história de um mundo onde quase toda a população nasce com algum poder sobre-humano chamado de individualidade. Algumas individualidades são boas, outras nem tanto, alguns nascem sem nenhuma. Esse anime mostra que qualquer individualidade pode ser treinada e ficar muito forte.

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Figura: Capa do anime My Hero Academia.

Agora voltando para nosso mundo, acredito que quase todos nascemos com alguma “facilidade”. Vamos pegar o exemplo do Messi que parece ter um talento natural, agora compare com o Cristiano Ronaldo outro talento, porém com muito mais treinamento, ambos conseguiram chegar no topo.

No mundo do anime algumas pessoas não possuem individualidades. E como no mundo do anime no nosso mundo algumas pessoas são PCDs (pessoa com deficiência). Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) a deficiência é uma limitação física, intelectual, visual ou auditiva que dificulta a realização de atividades, em comparação com pessoas sem deficiência.

Eu nasci com duas deficiências, glaucoma e catarata, resumindo, comparado a uma pessoal sem deficiência eu tenho 25% do total da visão. Quando eu era criança (nos anos 90’) deficiência não era algo muito falado ou comum, principalmente em crianças, desde pequeno eu uso óculos, antes pareciam com um "fundo de garrafa”.



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Figura: Menina de óculos

Sempre meus pais me ajudaram a tratar como uma coisa natural e com muita leveza. Antes mesmo de entrar na escola me chamavam de "4 olhos” e eu respondia, aí as crianças ficavam sem graça. Um dos meus melhores amigos certa vez disse: “4 olhos, é difícil de falar vou te chamar de Zoi“. Que acabou virando um apelido carinhoso. Lembrando que nessa época apelidos como ‘pretim’, ‘branco’, ‘negão’ eram amplamente aceitos e eram apelidos carinhosos entre os amigos.

Quando eu entrei na escola tinha muita vergonha de falar da minha deficiência, dizer que não estava conseguindo enxergar no quadro negro, eu ficava todo dia de castigo copiando as matérias. Na década de 90 os professores não tinham muito entendimento sobre as deficiências, achavam que o uso de um óculos ou de um aparelho automaticamente corrigia toda a deficiência. Com o tempo eu aprendi que ao invés de tentar copiar tudo o que os(as) professores(as) escreviam, eu poderia anotar o que falavam, meu primeiro ‘hack’ da vida. Descobri também que quando repetiam um assunto isso iria cair na prova.

Na 1ª série (1ª série = 2º ano de alfabetização) quase fui reprovado (acreditem se quiser naquela época você era reprovado). Minha mãe foi até a escola para conversar com a professora, ela também é professora. Eu não sabia escrever direito, eu tinha uma letra de "médico” por isso a professora não entendia (😀). Minha mãe pediu à professora que me perguntasse alguma conta, somar, subtrair, multiplicar e eu respondi, então ela perguntou se era a professora que havia ensinado tudo aquilo, a resposta foi negativa e minha mãe, direta como sempre, solta a frase "Tá vendo! Meu filho não é burro!”. Com isso eu consegui passar para o próximo ano escolar. Eu aprendi a fazer algumas contas além do que era ensinado na escola porque eu fingia ajudar minha mãe a corrigir as provas. Foi assim meu segundo ‘hack’: aprenda além do que estão tentando te ensinar, mais cedo ou mais tarde você pode precisar.

Eu comecei a fazer caderno de caligrafia, parecido com a figura mostrada abaixo, todos os dias. Devo ter feito dez anos deste caderno mas não adiantou, minha letra continua feia. Ainda bem que os computadores e celulares existem. Quando fui abrir minha primeira conta bancária o(a) gerente do banco ficou muito nervoso(a) quando me pediu pra fazer dez assinaturas repetidas, todas(TODAS) saíram diferentes. Depois de muitas tentativas foi preciso chamar o superior para minha assinatura ser aceita. Até hoje isso é um problema. Recentemente descobri, junto ao psicólogo que por pouco não me tornei gago. como o pensamento é muito rápido a fala não acompanha o pensamento, isso acontece com a escrita também, essa é uma das possíveis causas da escrita horrível. O terceiro '’hack’ : Tem coisas que mesmo você treinando, se esforçando muito, você vai conseguir estar apenas na média.

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Figura: Caderno de caligrafia


Na adolescência eu tentei fazer inglês, desenho, informática, kung-fu, basicamente tudo que era de graça minha mãe me deixava fazer.


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Figura: Por que eu vou sair pra relaxar se eu posso relaxar em casa, e de graça

Dentre esses assuntos um dos que me interessou foi a música. Eu queria aprender a tocar piano, pra isso eu precisava aprender a ler partituras. A forma mais fácil, rápida e de graça que eu encontrei foi entrar para a banda Santa Cecília (uma corporação musical da minha cidade natal). O processo para você aprender um instrumento demora em torno de um ano. Como não conseguia ler a partitura na distância que ficava o suporte, tive que decorá-las, eu levava para casa e ia repetindo até decorar. Eu tinha escolhido o saxofone, porém surgiu uma vaga pra tuba então aceitei aprender tuba. Tive que decorar novamente as músicas, mas entrei na banda em 6 meses. O quarto "hack”: Descubra a forma como você aprende, isso te leva a aprender mais rápido. Não existe uma forma única de aprender e a maioria das fórmulas prontas não vão funcionar, “aprenda a aprender do seu jeito”.

Aprendi a tocar piano, acabei saindo da banda Santa Cecília. Junto com amigos montei uma banda na escola, chegamos a tocar em dois shows, era muito bom. Nesse período da vida eu matava muita aula (não recomendo). Eu tinha a máxima: se eu posso passar de série com dois meses porquê vou estudar dez? Consegui fazer isso por uns seis anos seguidos até não dar certo mais. Mudei de estratégia, eu fazia todos os trabalhos e todas as provas porém isso não foi o suficiente, mesmo tendo notas acima da média eu repeti de ano pois não tinha 25% de presença. Além de provar que eu sabia a matéria, eu tinha que estar presente todos os dias. O quinto "hack” “jogue conforme o jogo”. Respeite as regras do jogo.

Eu queria fazer faculdade de música porém, por mais que eu me esforçasse eu não era bom, no máximo que eu ia conseguir ficar na média. Então, parti para o plano B. Eu gostava muito de games, gostava de jogar e conseguia me adaptar muito bem. Fui pra a área afim: Computação. E como todo bom aluno de computação achei que iria aprender a criar um jogo ou a nova rede social. Acabou que descobri um mundo novo e gostei bastante. Mas no início duvidei, como uma pessoa de baixa visão poderia fazer isso? Perguntei pra minha médica, ela recomendou a fazer o que todo mundo deveria fazer "tire o foco da tela de 1 em 1 hora” o resto é com você.

Em todos os lugares em que eu trabalhei anteriormente nunca tinha entrado como PCD. Eu tinha receio de ser tratado de maneira diferente e não ter as mesmas oportunidades que todos. Mais cedo ou mais tarde sempre descobriam, não é uma coisa que dê pra esconder né 😅. Quando fiz minha entrevista na Hotmart no final da entrevista fui perguntado se tinha mais alguma coisa que queria falar que estivesse fora do currículo. Tomei coragem e contei que era PCD e sobre o meu receio. Recebi a resposta: Preferimos pagar uma multa do que contratar só pra preencher um número. Quando fui contratado logo percebi que eu poderia ser eu mesmo, um peso a menos.

Sempre ouvi a frase "você é muito inteligente”, talvez por causa dos óculos, mas sei que sempre me esforçava muito pra chegar no mesmo nível que os outros. Eu lembro sempre do Chris Rock, ele tem uma piada sobre racismo num especial dele chamado "Kill the Messenger". Ele fala que mora num condomínio de luxo nos EUA com centenas de casas e tem quatro vizinhos negros. Ele, Mary J Blige, Jay-z e "Eddie" Murphy. E continua dizendo que ele é um bom comediante que fez uma grande carreira, Jay-z e Mary J Blige são dos maiores cantores do mundo… enquanto o cara branco é apenas dentista E tipo, certeza que ele não é o maior dentista do mundo. E ele completa com "pra um negro dentista conseguir comprar uma casa onde eu moro, ele tem no mínimo que ter inventado o dente". Segue o vídeo

Pego esse mesmo exemplo para um PCD, se você trabalha ao lado de um esse é um motivo de orgulho, não de compadecimento. Na maioria dos casos, essa pessoa teve que "inventar um dente”.

Fico por aqui com a letra dos Engenheiros do Hawaii Ninguém = Ninguém

Há tanta gente pelas ruas Há tantas ruas e nenhuma é igual a outra Ninguém é igual a ninguém

Todos iguais, todos iguais Mas uns mais iguais que os outros….